O que o silêncio está dizendo?
Entre o incômodo e o convite, talvez o silêncio esteja dizendo mais sobre você do que qualquer playlist de produtividade.
Outro dia, parei para contar quantos estímulos eu recebo antes mesmo das nove da manhã. São pelo menos uns cinquenta. Entre notificações, sons de aplicativos, podcasts que prometem transformar a minha mentalidade em sete minutos e vídeos curtos com receitas que eu nunca vou fazer, já começo o dia com a sensação de que alguém está gritando comigo.
E o mais curioso: fui eu mesma quem apertou o play. Não há mais silêncio, e não estou falando de ausência de som, mas de ausência de ocupação. Do espaço entre os pensamentos, do intervalo sem performance, do momento em que a gente não está absorvendo nada e, ainda assim, está sentindo tudo.
Talvez por isso o silêncio seja tão incômodo. Porque ele é uma espécie de espelho: você para de ouvir o mundo lá fora e começa a escutar o que está dentro… e nem sempre o que está dentro está em paz.
Fomos treinados para fugir do silêncio. A escola nos pedia opinião o tempo todo, a cultura do conteúdo exige que a gente se manifeste, os aplicativos pedem reação, os amigos cobram resposta. Quem se cala? Desaparece. Quem some? Perde espaço. Quem pausa? Não performa.
Silêncio virou sinônimo de desconexão e desconexão, hoje, é um risco reputacional.
Mas é justamente quando você não responde, não explica, não participa… que nasce o discernimento. É no silêncio que você escuta aquela voz que não está tentando vender nada, nem convencer ninguém. Uma voz mais parecida com você do que qualquer Pinterest.
Na prática, é fácil confundir movimento com progresso. Fácil demais achar que produtividade é acúmulo, quando na verdade, ela pode ser ausência e a bem da verdade é que essa ausência assusta. Assusta tanto que a gente coloca fundo musical até para ler. Eu coloco ruído branco, você também deve fazer algo do tipo. Tem sempre um podcast de fundo, um ruído, uma TV ligada.
É um tipo de muleta sonora para não tropeçar no vazio. O problema é que sem vazio não tem clareza, e sem clareza, a gente só corre em círculos bonitos.
Teve um estudo da Universidade da Virgínia, publicado na Science, que mostrou que muitas pessoas preferem tomar choques elétricos a ficarem sozinhas em silêncio por quinze minutos.
Choques
Elétricos
Só pra não ter que escutar os próprios pensamentos sem distração.
Sabe o que é mais assustador nisso? Que talvez a gente esteja anestesiando a única coisa que realmente poderia nos curar: o espaço interno.
Silêncio não é ausência de vida, é presença total. Presença daquilo que está embaixo do ruído. Dos incômodos que você não nomeia, das vontades que você enterra com planilhas, das pausas que você cancela por achar que descanso é luxo e não condição.
E isso vale para tudo, inclusive para decisões grandes. Tem resposta que só vem quando você aguenta o tempo do silêncio. Quando você resiste à tentação de responder no impulso, de preencher o vazio com uma solução rápida. Às vezes, o não saber é o que salva. E eu acho muito elegante quando alguém diz: “preciso de um tempo pra pensar”.
Uma vez, me disseram que o silêncio é o lugar onde a alma vai respirar. E eu, que sempre respirei com pressa, demorei pra entender isso. Hoje, penso que o silêncio é o que separa o que a gente acha que quer, do que realmente importa.
Separei três formas de praticar pausas reais (e elegantes), que tenho praticado nos últimos tempos:
1. Desocupe o som:
Não é sobre meditar com aplicativo, é sobre desligar mesmo. Escovar os dentes em silêncio, almoçar sem celular, caminhar ouvindo os próprios passos e olhando para os locais em volta. Repare: o incômodo passa depois dos primeiros dois minutos, o prazer vem logo depois;
2. Aguente não responder:
O silêncio nas conversas pode ser poderoso. Você não precisa preencher todos os vazios, não precisa se explicar o tempo todo. Às vezes, uma pausa bem colocada diz mais do que qualquer argumento ensaiado;
3. Crie seus “interlúdios”:
Assim como a música precisa de pausa para ter ritmo, sua rotina também precisa. Interlúdios são pequenos vazios que dão fôlego ao dia. Entre uma reunião e outra, entre an academia e o banho, entre a pergunta e a resposta, pare, nem que seja por um minuto inteiro.
É claro que a vida exige barulho, o trabalho exige fala, as relações exigem troca. Mas talvez, só talvez, o silêncio que tanto evitamos seja exatamente o que a gente mais precisa ouvir.
E se você ficou desconfortável só de ler tudo isso… talvez esteja na hora de escutar o que o seu próprio silêncio anda dizendo.
Com calma,
Ágatta
A quem interessar saber mais do estudo: https://www.deccanchronicle.com/140707/lifestyle-offbeat/article/most-people-would-prefer-having-electric-shocks-over-thinking-study?